terça-feira, 22 de setembro de 2009

Um álbum, duas opiniões...

Um novo artista chamado Iggy Pop

Primeiro aviso preliminar: os fãs de Iggy Pop devem pensar duas vezes antes de comprar este disco. Segundo aviso preliminar: este disco é muito bom e qualquer pessoa de bom gosto deverá ouvi-lo. É claro que, com isto, não se pretende dizer que os fãs de Iggy Pop são pessoas de mau gosto. Mas, aos 62 anos, diz ele num texto de promoção ao novo disco: “Estou um pouco farto de ouvir rufias idiotas com guitarras.” E, bom, isto deverá magoar ligeiramente a legião de punks e pós-punks que o idolatram. Este disco, a começar pelo título, é todo ele francês, se bem que apenas uma canção seja cantada em francês – a mais que célebre “Les Feuilles Mortes”, escrita pelo poeta surrealista francês Jacques Prévert, em duas versões arrebatadas, a abrir e a fechar, marcando todo o ambiente deste magnifico álbum.

É evidente em todo o álbum uma certa influência jazz (“King of the Dogs”) e até – ah sim – guitarras barulhentas (“Nice to Be Dead”), uma canção ao estilo Doors (“A Machine for Loving”), outra que anda pelo blues (“She’s a Business”), e é até possível encontrar aqui e ali um pouco de Nick Cave ou mesmo Leonard Cohen.

Mas a grande influência é mesmo Serge Gainsbourg, músico e compositor françês que ao longo da sua carreira produziu trabalhos nos vários estilos musicais, desde o jazz ao rock e até mesmo o reggae. “I Want to Go to the Beach” ou “Spanish Coast”, duas das mais melódicas canções, poderiam perfeitamente ter sido escritas por um dos compositores franceses da actualidade. A esta marca francesa não será alheio o facto de o autor ter-se inspirado para algumas das canções no livro “A Possibilidade de uma Ilha” de Michel Houellebecq (“A Machine for Loving” é mesmo uma transcrição dessa obra).

Parece que finalmente aos 62 anos Iggy amadureceu (sem ofensa). Acredito que tenhamos ganho um novo artista chamado... Iggy Pop.

Para finalizar, simplesmente Iggy Pop:

"Eu sofri muito por não pensar primeiro, porque o que eu não posso defender é um roqueiro que acha que tem cérebro. Eles são sempre tão paspalhos!" (numa entrevista dada ao jornal The Sun).

John


Duas premissas para uma leitura assertiva do que se segue: 1) Não sou um fã de Iggy Pop, nem tão pouco me posso considerar um conhecedor, visto ter escutado muito pouco da sua produção artística e, desse pouco que escutei, não senti a chama da sedução; 2) posto isto recomenda-se uma cautela significativa para o que abaixo surge.

“Préliminaires” pode ser um álbum tão sugestivo como o nome indica ou, por outro lado, dispensável, sobretudo quando o importante é a acção e não o que a antecede. Mas como bons amantes que somos (será?) decidimos seguir a ordem dos acontecimentos: que se iniciem os preliminares.

Desde a primeira faixa encontramos o necessário cuidado de quem se inicia nestas lides: um constante sentido afirmativo de se fazer entende: nada de plumas, que aqui só estorvariam, ou de maquilhagem a mais, que nos levaria do belo ao circense; sobriedade é a palavra de ordem – e que doce paixão advêm. Juntemos a este quadro uma voz perdida entre o poder e a crença, que expressivamente nos prende no desejo amazónico de prosseguir a escuta e vislumbrar por onde vai passando este rio, questionando onde será o seu apogeu: mas não desagua, dificilmente chegará a um cobro romântico, prosseguindo, no sinuoso trajecto, com suas vestes negras, procurando sempre mais além o que por lá não estará (e ele sabe!).

Evito aqui qualquer tipo de comparações com outros álbuns e/ou artistas: o que se ouve, do real ou da ficção, por si fala (a magia não será mesmo esta?).

No presente caso os preliminares são bons e recomendam-se: as portas não se abrem senhores, mas tendes as chaves, avançai.

Nota: o caos é sempre o começo. Abandonar este presságio é quebrar com a mais bela forma de construção.


Nicolau


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mark Knopfler apresenta-nos o seu novo trabalho, Get Lucky


Mark Knopfler, vocalista e (genial) guitarrista da lendária banda de rock, Dire Straits, apresenta-nos o seu novo trabalho, 6º álbum a solo, Get Lucky. Depois de com Kill To Get Crimson em 2007 ter regressado à ribalta, (os álbuns precedentes não tinham sido bem recebidos, quer pelo público quer pela crítica), Mark traz-nos um álbum repleto de histórias pessoais, recordações da infância em Glasgow onde vivia com a família. Um regresso aos blues e ao celtic-rock, onde se destacam os magníficos solos de guitarra e a voz, essa é inconfundível. Um álbum bastante maduro e bem produzido, na linha do que o músico escocês tem vindo a apresentar nos últimos anos. Quem acompanhou a carreira de Mark Knopfler, desde os Dire Straits até hoje, certamente apreciará o álbum. Um trabalho cheio de personalidade e estilo. Daqueles, que mesmo quem não gosta, respeita. O álbum foi gravado no estúdio do guitarrista, o Grove Studios, e contou com a produção de Chuck Ainlay e Guy Fletcher, parceiros de longa data de Mark Knopfler.

Desde que colocou um ponto final na brilhante história dos Dire Straits e iniciou a carreira a solo em 1996, Mark Knopfler apenas conseguiu o respeito e a atenção, dignos do seu nome, por parte do público e da crítica nestes últimos anos. Para mim, um dos melhores guitarristas de sempre ao lado de nomes como Jimi Hendrix, BB King, David Gilmour, Eric Clapton e Frank Zappa. Sem dúvida um dos maiores génios da história da música. Pela sua subtileza, originalidade e sobretudo simplicidade. Numa altura em que o punk dava cartas no final da década de 70, Mark mudou a história do Rock com os Dire Straits e o seu rock clássico e intelectual. Por tudo o que fez na música merecia mais respeito e reconhecimento pela sua obra, (pelo menos a Rainha de Inglaterra homenageou-o por serviços prestados à cultura).

domingo, 6 de setembro de 2009

“INGLOURIOUS BASTERDS” – a mais recente obra-prima de Quentin Tarantino.


Tarantino. Este nome, seria suficiente para justificar e resumir todas as linhas que se seguem. Mais, bastaria por si só para preparar qualquer alma para um qualquer filme com a sua chancela. Mas a cada fita que passa achamos que o Tarantino precedente se encontra vazio de significado, ou por outro lado, completa-se a cada novo filme. Da ironia que ele transmite sobressai a mais importante das verdades: Tarantino é ele próprio em cada imagem no ecrã, a cada fala, a cada momento musical, mas é mais, não sendo um original (no mais perfeccionista dos sentidos), cultiva o melhor dos filmes dos seus mentores, e que mentores escolheu este homem. Finalmente o seu Once upon a time… na França ocupada. Um "Western spaghetti" e épico bélico , onde os nazis são os índios, apesar de os americanos serem liderados por um apache!!! O filme que Tarantino desejava fazer há muitos anos (8 anos a escrevê-lo), o seu 2º argumento original desde “Pulp Fiction”. O seu tema preferido continua tão activo quanto antes: a vingança.

“Inglourious Basterds” não é, na verdade, um filme inspirado na II Guerra Mundial, mas sim uma forma de ver estes eventos e um estilo de filmes que encontra ressonância nos filmes westerns de Sergio Leone. É bastante visível o uso do anti-heroi neste filme, encarnado na personagem do Coronel Hans Landa, “O Caçador de Judeus”. Este é o verdadeiro protagonista do filme, um verdadeiro anti-heroi, cujas acções conduzem o enredo ao longo do filme. À semelhança de outros vilões da história do cinema, sentimo-nos atraídos por este homem hediondo, que emana charme e carisma, apesar das suas acções serem o verdadeiro espelho do seu carácter.

A referência ao filme de Enzo Castellari de 1978, “Inglourious Bastards”, é inevitável. Mas engane-se quem pensar que o filme de Tarantino é um “remake”. A sua natureza é outra. Não é por acaso que o título de Castellari se refere aos “bastards” e o de Tarantino aos “basterds”. É o preciosismo que faz a diferença. Porque é que "bastards" deu em "basterds", qual é a coisa do "e"? Diz Tarantino, numa entrevista exibida pelo Ípsilon, "É um floreado artístico que não posso explicar. Jean-Michel Basquiat tirou um L da palavra Hotel e colocou-o num quadro seu. Se ele fosse a explicar porque é que fez isso..." Não é preciso dizer mais...

Aquilo que Tarantino faz, não é recriar um filme, mas uma ideia de cinema e de género. A realização é mais uma vez brilhante, cada capitulo é filmado como um filme autónomo, o potencial das personagens assim o permite, surpreendendo-nos sempre. De capítulo em capítulo, de golpe de teatro em golpe de teatro, o contágio e espectáculo deste impede qualquer forma de exaustão da nossa parte. Um verdadeiro espectáculo da palavra proporcionado pela inteligência de Tarantino. A grande ironia deste filme é ver um regime como o nazi, construído e sustentado em grande parte pela imagem (e pela imagem do cinema), ser destruído pela sua própria "arma" de propaganda, o cinema.

Neste filme, Tarantino incluí-nos numa conspiração bicéfala de objectivo único: exterminar o nazismo pela raiz, ou antes pela fina-flor, uma vez que pretendemos destruir os altos comandos deste regime (consequência directa: fim da II Guerra Mundial). E quando digo inclui-nos, não é um exagero ou simples metáfora: desde o primeiro minuto de filme (e que cena de abertura deliciosa!) somos rapidamente incluídos neste plano trágico, e por muito que sejamos seres transcendentes (fora daquela ordem, apenas com capacidade de observar) perpetuamos a existência de cada momento. Num rodopio de significados desvirtuados, encontramos em cada cena a subversão de símbolos que passam de lado-para-lado como bola em jogo de criança, com a simplicidade de uma brincadeira, mas com o mais nobre dos sentidos. O amor é um simples adereço, ou será a forma final deste enredo? O corpo humano uma simples ferramenta da essência, ou a essência o resultado do composto físico? A verdade um contexto histórico, ou a historia um contexto da verdade? Quantas perguntas ficam por fazer e contudo todas as respostas são dadas no imaginário (ou na imaginação de cada um) por este filme!

Nota: Hitler encontra-se oficialmente redimido de todas as suas atrocidades, pode seguir em direcção a um qualquer paraíso. Ironicamente é este o sentimento que nos resta no fim de observar a morte deste no filme. Tarantino sabia, nós sabíamos e talvez o mundo soubesse: a forma como a morte (real) de Hitler se deu deixou no descrédito (escondido como um rato) – nos pícaros da loucura, dizem alguns –, morto pelos seus aliados (num acto de cobardia), esta figura histórica. Agora chega deste anjinho, foi finalmente vingado, morto ao som da raiva: enfim teve o fim que a sua vida merecia! Se não fosse por mais coisa nenhuma, encontrávamos neste pormenor delicioso toda a justificativa para ver o filme. Mas esta é apenas uma parte periférica do filme: não chega a ser premissa, nem tão pouco centro, é um resultado do brilhante humor histórico – sarcástico do génio de Tarantino. E por falar em génio: não observem as personagens, deixem-se envolver: se cada natureza morta, cada frame, faz sentido neste filme é animada pelo espírito das interpretações e sobretudo das construções das personagens/actores (de resto um dos mais significativos trunfos de Tarantino/mentores deste ao longo da sua carreira). Como disse alguém um dia: que sentido fará um filme com almas comuns, para isso vemo-nos ao espelho ao fim de cada dia, para mais vamos ao cinema e sonhamos! E a que ponto pode ser levado isto a sério.

Constatação: Nunca a violência teve um sentido tão estético e o sangue derramado tanta dignidade, em suma, o lado infame da humanidade faz-nos rir no mais negro dos sentidos – e ainda assim somos felizes!

Esperamos com certeza que este senhor, imagem de marca do cinema independente norte-americano, nos continue a surpreender. Como o próprio diz, ainda tem muito para dar ao cinema. Um pouco à imagem de Leone, cada novo filme parecia ainda mais brilhante que o anterior.


Por John e Nicolau