segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

"Tetro": A segunda juventude de Coppola


Numa fase da sua carreira cinematográfica em que pode dar-se ao “luxo” de produzir o que quer, Coppola apresenta-nos a sua nova obra intitulada “Tetro”. Depois do surpreendente e genial "Youth Without Youth" em 2007, o realizador americano, num momento histórico em que o cinema se auto-cita permanentemente, regressa com o seu segundo filme a preto e branco (o primeiro foi "Rumble Fish" em 1983) entrecortado por momentos de um bailado a cores de uma extraordinária beleza plástica. Mas não é só a obra anterior de Coppola e o cinema que são evocados neste filme, a música, através da cruel personagem do pai de Tetro, o maestro Carlo (Klaus Maria Brandauer), a dança, através da namorada de Tetro, a dedicada Miranda (Maribel Verdú), e ainda pelas passagens do bailado The Tales of Hoffman (adaptação cinematográfica da ópera Les Contes d'Hoffmann do compositor Jacques Offenbach), a escrita pela figura de Tetro (Vicent Gallo) e até a própria crítica, na humilhada Alone (Carmen Maura) são convocadas no filme. O jovem Bennie (Alden Ehrenreich) procura o seu irmão Angelo em Buenos Aires e aí, ao reencontrá-lo, inicia uma longa caminhada pela história da sua família, directamente responsável pelo seu trajecto individual, trilhando caminhos sinuosos e obscuros. São as tensões freudianas a base da narrativa, as emoções reprimidas ou desviadas, a rivalidade, o ódio camuflado, a prepotência, o abuso emocional dentro das relações familiares, o cerne da história aqui contada.

O filme, notável ao nível da fotografia, é também profundamente teatral na composição dos quadros, no jogo de luzes que muitas vezes se foca numa personagem como em cena, na própria tensão dramática e ausência de narrativas paralelas, na contracena plena de emoção e nos muito significativos diálogos. Considerando que o artista deve estimular o seu público a repensar os seus próprios valores, e assim repensar a própria sociedade, o novo filme de Coppola dá-nos a sensação de recuarmos várias décadas e regressarmos a filmes como "Rocco e i suoi fratelli" (1960) de Visconti, um tempo em que o cinema procurava, muito mais do que nos dias que correm, propor uma reflexão a partir da arte. Tal como em "Rocco e i suoi fratelli", “Tetro” é sobre tudo o que não se diz dentro de uma família e o modo como isso condiciona irremediavelmente o crescimento individual de cada um dos seus elementos. Depois de Michael Corleone em Godfather, Coppola consegue criar uma personagem masculina que perdurará, o escritor Tetro, pelo carismático Vincent Gallo.

Um filme a ver e rever… enquanto esperamos pelo próximo capítulo da obra de Francis Ford Coppola.

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